Diversos fatores acadêmicos podem contribuir para o adoecimento psíquico, como forte cobrança de si e de professores, insegurança quanto às próprias habilidades, carga horária intensa e exposição frequente a sofrimento e morte. As variáveis individuais mais associadas são sexo feminino, insônia e sedentarismo. Estudantes de medicina apresentam altas taxas de transtornos mentais. A maioria desses, porém, não busca ajuda profissional espontaneamente. Aplicativos para smartphone podem ser um recurso útil para complementar as estratégias de promoção à saúde mental nas universidades.
OBJETIVOS E MÉTODOS
Este trabalho tem como objetivo revisar a literatura a respeito do uso de aplicativos na avaliação da saúde mental de estudantes de medicina. Realizamos um levantamento bibliográfico de artigos nas bases de dados SciELO, PubMed e ERIC de janeiro de 2010 a março de 2020. Incluímos estudos relevantes sobre o tema, publicados em português ou inglês. Doze artigos preencheram os critérios de elegibilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aplicativos móveis voltados para a saúde mental estão sendo cada vez mais utilizados e têm-se revelado ferramentas de ótima relação custo-efetividade. Apresentam, inclusive, certas vantagens quando comparados a avaliações realizadas exclusivamente face-a-face.
Possibilitam registros mais frequentes e com menos viés de recordação. Também podem ter uma sensibilidade maior na detecção de sintomas emocionais, pois os indivíduos costumam se sentir mais à vontade para responder em seu smartphone do que diante de um avaliador.
O automonitoramento pode, por si só, ter efeitos terapêuticos ao propiciar autoconhecimento e autorregulação. Além disso, é capaz de aumentar a chance de o usuário buscar ajuda profissional.
Há vários aplicativos baseados em mindfulness e outras intervenções para combater estresse, ansiedade ou depressão em estudantes de medicina. Apesar de alguns também contemplarem o diagnóstico, o foco geralmente é no tratamento.
Três aplicativos com ênfase na triagem ou no acompanhamento de sintomas emocionais foram utilizados em pesquisas com alunos de cursos variados. Um deles permite o automonitoramento diário do bem-estar em estudantes de medicina, enquanto os outros dois se propõem a realizar triagem de depressão em universitários, mas não foram desenvolvidos especificamente para essa população.
CONCLUSÕES
Nenhum dos aplicativos de triagem existentes oferece um monitoramento mais global, que inclua ansiedade, estresse e outros parâmetros para seguimento a longo prazo.
No Brasil, apesar de haver diversos aplicativos móveis relacionados a transtornos mentais, faltam opções no idioma português que sejam validadas e focadas na saúde mental de estudantes de medicina.
Histórico de abuso sexual pode ser um fator de risco importante para o desenvolvimento de transtorno da personalidade borderline. Esta é a primeira revisão sistemática a demonstrar o impacto da violência sexual no quadro clínico e no prognóstico do TPB. Também pode piorar o prognóstico da doença, isto é, tornar os sintomas mais graves ou o quadro mais difícil de ser tratado, bem como aumentar o risco de ideias ou tentativas de suicídio.
Os dois estudos longitudinais com crianças abusadas sexualmente apresentaram desfechos variados. WIDOM, CZAJA e PARIS (2009) levantaram possíveis explicações para a ausência de associação significativa entre VSI e TPB em seu trabalho: os casos judiciais podem diferir dos relatados por pacientes com TPB (geralmente incidentes mais leves ou únicos), as mulheres que buscam tratamento podem ter mais VSI, e a proporção relativamente menor de vítimas de VS comparado a outros traumas pode ter levado a um poder estatístico reduzido. Já CUTAJAR et al. (2010) encontraram significância estatística apenas no sexo feminino, que representava 80,1% da amostra e teve uma chance 7,62 maior de desenvolver TPB do que controles saudáveis. Em paralelo, no artigo transversal de BIERER et al. (2003) foi descrita, por outro lado, uma tendência estatística entre TPB e VSI apenas em homens, que representavam 64,9% da amostra. Diante desses dados conflitantes, mais estudos prospectivos necessitam ser realizados para avaliação de causa-efeito entre essas variáveis.
Analisando a relação entre TPB e o tipo de VSI, MERZA, GÁBOR e ILDIKÓ KURITÁRNÉ (2015) concluíram que carícia genital e penetração foram fortes preditores de TPB, mas não sexo oral ou penetração anal. Tal achado se assemelha ao da meta-análise de FOSSATI, MADEDD e MAFFEI (1999), onde TPB foi associado a carícia genital e penetração, mas não a sexo oral.
Ao relacionarem o TPB com a idade de ocorrência da VSI e o perfil do abusador, os trabalhos mostraram resultados divergentes. LAPORTE e GUTTMAN (2001), ao compararem TPB, anorexia nervosa e controles saudáveis, revelaram correlação entre TPB e VSI em idade mais precoce e TPB e VSI intrafamiliar, mas não entre TPB e VSI extrafamiliar. Esses achados diferem dos de FOSSATI, MADEDDU e MAFFEI (1999), que haviam relatado uma relação estatisticamente mais importante entre TPB e VS na adolescência ou extrafamiliar do que entre TPB e VS na infância ou intrafamiliar. Já ZANARINI et al. (1997), ao compararem TPB e outros TPs, descobriram associação entre TPB e VSI por homem não cuidador, mas não entre TPB e VSI por um cuidador.
Em conformidade com publicações anteriores, os resultados descritos indicaram que VSI pode representar um fator de risco para TPB (CARR et al., 2013; FOSSATI; MADEDDU; MAFFEI, 1999; MARTINS et al., 2011; WINSPER et al., 2016). A ideia de que VSI tem um papel importante no desenvolvimento do TPB também está de acordo com alguns autores que acreditam que pacientes com TPB talvez fossem melhor conceituados como tendo uma forma complexa ou crônica de TEPT (FORD; COURTOIS, 2014; KULKARNI, 2017; LEWIS; GRENYER, 2009; MACINTOSH; GODBOUT; DUBASH, 2015). Traumas na infância têm sido associados a polimorfismo genético, modificações epigenéticas, anormalidades neuroanatômicas e disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal no TPB (DRIESSEN et al., 2000; KAESS et al., 2017; MORANDOTTI et al., 2013; PERROUD et al., 2011; PRADOS et al., 2015; RADTKE et al., 2015; WILSON et al., 2012).
Dentre as variáveis referentes a quadro clínico ou prognóstico, suicidalidade foi a mais estudada. Pacientes com TPB e VSI tiveram um risco cerca de 10 vezes maior de tentativa de suicídio prévia do que pacientes com TPB sem VSI (FERRAZ et al., 2013; SOLOFF; LYNCH; KELLY, 2002). Vários trabalhos descreveram significância estatística entre ideias ou comportamentos suicidas e eventos ou escores de gravidade da VSI no TPB (DUBO et al., 1997; HORESH et al., 2009; KAPLAN et al., 2016; LINKS et al., 2013; MENON et al., 2016; SOLOFF; LYNCH; KELLY, 2002; ZANARINI et al., 2002). Diversos pesquisadores já encontraram correlação entre VSI e comportamentos suicidas na vida adulta (AFIFI et al., 2008; CHEN et al., 2010; MOLNAR; BERKMAN; BUKA, 2001; TURNER et al., 2017).
No artigo longitudinal de WEDIG et al. (2012), a associação entre VSM e tentativas de suicídio permaneceu significativa após análise multivariada, enquanto a associação entre VSI e tentativas de suicídio foi significativa apenas em análise bivariada. A interpretação dos autores foi que traumas recentes teriam uma maior repercussão do que os ocorridos num passado mais distante. Achados semelhantes foram descritos anteriormente (SILK et al., 1995).
Alguns resultados dos artigos incluídos sugerem que o abuso infantil exerce um efeito cumulativo sobre o quadro clínico de pacientes com TPB. Em quatro deles, tentativas de suicídio foram associadas à gravidade da VSI ou à coocorrência de violência física e sexual na infância (KAPLAN et al., 2016; LINKS et al., 2013; SOLOFF; LYNCH; KELLY, 2002; ZANARINI et al., 2002). Em dois deles, episódios de automutilação foram relacionadas à gravidade da VSI ou à coocorrência de violência física e sexual na infância (KAPLAN et al., 2016; ZANARINI et al., 2002). Outras pesquisas já haviam revelado um efeito cumulativo dos traumas na infância sobre comportamentos autolesivos ou suicidas na vida adulta (AFIFI et al., 2014; STEINE et al., 2017).
Estudos prévios, ao relatarem menores taxas de VSI em amostras com menos traços de TPB ou sintomatologia mais leve, levantam a hipótese de que talvez também exista uma relação diretamente proporcional entre gravidade do TPB e história de VSI (HERMAN; PERRY; KOLK, 1989; SALZMAN et al., 1993). Outro trabalho demonstrou uma relação diretamente proporcional entre o número de tipos de trauma infantil e a quantidade de sintomas de TPB (SANSONE; SONGER; MILLER, 2005).
Foram descobertos diferentes resultados acerca da associação entre gravidade da VSI e gravidade da sintomatologia do TPB. ZANARINI et al. (2002) revelaram significância estatística, enquanto SOLOFF, LYNCH e KELLY (2002) e MARTÍN-BLANCO et al. (2014) não encontraram correlação. O resultado negativo de MARTÍN-BLANCO et al. (2014) possivelmente ocorreu devido à elevada taxa de pacientes abusados emocionalmente comparado à de pacientes abusados sexualmente. Muitos autores descreveram que o abuso emocional infantil poderia ter uma importância maior do que outros traumas no TPB (BIERER et al., 2003; FRIAS et al., 2016; KUO et al., 2015).
Limitações
Várias limitações devem ser reconhecidas. Nós não revisamos alguns trabalhos relevantes pois foram publicados antes de 1997. A heterogeneidade nas amostras, nos desenhos dos estudos e nas avaliações diagnósticas impediu a realização de meta-análise.
Dos 40 artigos, 39 incluíram majoritariamente pessoas do sexo feminino, sendo sete deles compostos exclusivamente por mulheres. Muitos incluíram apenas pacientes inicialmente internados (ou seja, relativamente graves). Todos os dados sobre VSM foram obtidos através da avaliação de uma mesma amostra de pacientes do McLean Hospital em Belmont, Estados Unidos.
Poucos estudos incluíram casos documentados ou corroborados de VS. Não podemos excluir a hipótese de que alguns pacientes com TPB tenham exagerado ou confabulado nos relatos dos eventos, o que talvez possa comprometer a interpretação de certos achados – embora, na prática clínica, não seja tão útil discriminar os abusos reais dos fantasiosos.
Portanto, é difícil saber se os resultados encontrados podem ser generalizados para vítimas de VS, homens e populações com quadros menos graves.
CONCLUSÃO
No geral, VS desempenha um papel importante no TPB, particularmente em mulheres. VSI é um fator de risco relevante para TPB. As taxas de VSM são significativamente maiores em pacientes com TPB em comparação com outros TPs. História de VS prediz um quadro clínico mais grave e um pior prognóstico. Suicidalidade tem a evidência mais consistente. A gravidade da VSI parece exercer um efeito cumulativo sobre tentativas de suicídio no TPB.
Nosso trabalho ressalta algumas das consequências psíquicas da VS. Dessa forma, é necessário intensificar estratégias para combatê-la, envolvendo medidas que promovam prevenção de novos casos, bem como reconhecimento precoce e manejo adequado para tentar minimizar os danos às vítimas.
A literatura científica carece de mais artigos prospectivos com indivíduos violentados sexualmente, a fim de evitar viés de informação. Pesquisas futuras também precisam estudar mais as variáveis de prognóstico e a VSM e incluir mais homens e pacientes com TPB mais leve. É essencial, ainda, esclarecer a repercussão da VSI nas diversas apresentações (por exemplo, intrafamiliar versus extrafamiliar) e faixas etárias (infância, latência, adolescência), além de investigar se diferenças na conduta quanto ao relato da VSI (por exemplo, validar versus invalidar) influenciam na relação com o TPB. O impacto de outras experiências traumáticas, como o abuso emocional, também deve ser sistematicamente revisado.